quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Refund

Desde que cheguei à Austrália venho percebendo o respeito que os australianos têm com as pessoas, mas o que me chama mais atenção é o respeito com o consumidor.

Já tive vários problemas para trocar mercadoria no Brasil, era sempre um desgaste sem fim!

Aqui na Austrália é completamente diferente, até mesmo sem a nota fiscal você consegue trocar o produto, seja ele por defeito ou simplesmente por ter se arrependido da compra.

O mais interessante é que você não precisa trocar a mercadoria por outra, basta simplesmente solicitar o dinheiro de volta, acho isso fantástico! Principalmente para as compulsivas em compras de plantão!

Já imaginou comprar um monte de roupa, chegar em casa, provar tudo e se arrepender de ter comprado algumas peças? É só voltar na loja e solicitar o dinheiro de volta. O lado negativo é seu marido exigir que você devolva "tudo" que você comprou!

Outro dia comprei um par de óculos escuro, andando mais um pouco no shopping, encontrei outro que me agradou mais, retornei a loja anterior e solicitei o “refund”, simples assim!

O nosso primeiro “refund” aconteceu logo que chegamos aqui, ficamos até confusos, sem entender o que estava acontecendo. Como assim? Devolver o dinheiro? O Eduardo havia comprado uma cama box e ela simplesmente não teve como entrar no nosso quarto, pois não passou na escada, só conseguimos subir com o colchão. Ao retornarmos para a loja para tratar da troca da cama a atendente simplesmente devolveu o dinheiro, sem nem precisarmos explicar o ocorrido. Detalhe, a cama ainda estava na nossa casa! E lá ficou por uma semana, eles devolveram o dinheiro sem nem termos devolvido o produto!

Outra coisa interessante é, se você chegar em casa e perceber que o preço da mercadoria foi cobrado indevidamente a maior, você volta na loja e eles lhe dão o produto de graça.

Por um lado, há esse imenso respeito pelo seu direito de desistir da compra, pelo outro, temos que lidar com algumas situações constrangedoras. O exemplo mais típico disso é o fato de eles considerarem normal revistar sua bolsa quando você sai de uma loja. Na primeira vez fiquei até assustada e muito chateada, achei logo que era preconceito com imigrante, mas com o tempo fui percebendo que é regra e vale para todos, independente de imigrantes ou australianos, inclusive há avisos nas portas das lojas.

Noto um certo constrangimento por parte dos funcionários com esse tipo de procedimento, mas se é regra, tem que ser cumprida.

Acredito que há um motivo para isso, você como consumidor tem direito a ir e vir com seus produtos, por exemplo, faço compras em uma loja, às vezes nem coloco em sacos plásticos (consciência com o meio ambiente, muito comum por aqui), e saio com esse produtos soltos, sem nenhuma embalagem, em um carrinho pelo shopping, podendo entrar em outras lojas sem nenhuma restrição e fazer mais compras, e assim por diante. O máximo que eles solicitam é uma olhada rápida no cupom fiscal das compras anteriores, e claro, a revista na sua bolsa.

Nada mais justo fazer valer essa regra!

domingo, 19 de outubro de 2008

Índice de prosperidade mundial

Essa semana foi divulgado o resultado de um estudo que identifica o nível de prosperidade de 104 países. Diferentemente da maioria dos estudos de qualidade de vida, que definem o resultado de cada país através de indicadores tangíveis como renda, saúde, educação, segurança, etc. esse estudo se diferencia em três formas:

Primeiro porque, segundo eles, a prosperidade é reimagesultado não só da riqueza, mas também da satisfação com a vida. Isto é, para eles, saber que determinado país possui ensino de qualidade não é suficiente, o que importa é que o ensino seja de qualidade e acessível a todos. Devido a essa abordagem, além dos indicadores padrão, vemos índices interessantes, tais como: tempo para lazer, vida em família e comunidade, liberdade de escolha, ambiente agradável, etc.

Segundo a Legatum, instituição responsável pela realização do estudo, essa abordagem tem como diferencial a demonstração das causas da prosperidade, e não os seus resultados. A partir da elaboração de uma visão mais holística de cada país, o estudo consegue evidenciar os fatores que promovem a competitividade econômica e a habitabilidade de cada país, demonstrando assim, as forças e restrições de cada um, e sua conseqüente condição de prosperar.

Além disso, o estudo demonstra claramente que tanto o governo como os indivíduos, são diretamente responsáveis por promover a prosperidade. O estudo evidencia que o governo por si só não consegue criar ou direcionar a prosperidade, mas sim encorajá-la através de políticas bem estruturadas. Os indivíduos por sua vez, têm o papel de assumir responsabilidades pela busca de desafios e oportunidades, que, acompanhadas pela liberdade de escolha, proporcionam a prosperidade nacional.

O interessante desse estudo para nós imigrantes, não é saber que a Austrália foi honrada com a primeira colocação, mas sim evidenciar um dos motivos que faz com que famílias como a minha, tenham que se mudar para o outro lado do mundo na busca de uma nova vida. O gráfico abaixo demonstra uma comparação entre os resultados do Brasil e Austrália:

prosperidade au vs br

É curioso observarmos os contrastes dos resultados alcançados pelos dois países. O mais interessante ainda, é ler esse gráfico e visualizar com bastante facilidade, tudo aquilo que viemos buscar contra o que nos fez partir. De um lado vemos a Austrália com excelente nível de governança, capital investido, inovação, educação e renda, de outro vemos o Brasil no negativo. Além disso, notamos que, para quem como nós, valoriza itens como vida em família, tempo para lazer, ambiente agradável, etc. a Australia se apresenta como um país bem mais adequado para se viver que o Brasil, visto o nossos péssimos resultados nessas áreas.

Notem, o propósito deste post não é falar mal do Brasil, mas sim trazer uma visão analítica dos motivos que levam nosso país a perder a série de jovens talentos que tem perdido. Ao contrário do que muitos devem pensar, o perfil dos brasileiros que moram aqui como residentes permanentes, não é o de fracassados que não conseguiam manter uma boa vida no Brasil. A maioria dos que estão aqui, não só tinham uma excelente condição em nosso país, como também vieram muito bem estruturados para montar uma nova vida por aqui.

Infelizmente, hoje no Brasil, nem governo nem indivíduos estão cumprindo o seu papel. De um lado vemos poucos tentando lutar e fazer a diferença através da mudança de conceitos e exemplos. Do outro vemos os que foram ou estão indo embora, não por não amar o seu país, mas por terem outras motivações, como no meu caso, a criação dos meus filhos. Nessa hora ponderamos o nosso patriotismo contra nossos valores e amor pelos nossos filhos, eu fiquei com a segunda opção.

Para mais informações sobre o estudo visite: http://www.prosperity.com/ranking.aspx

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Ser pai é padecer no paraíso

Uma das tarefas mais difíceis dessa mudança esta sendo lidar com a adaptação da Ana Carolina. Como toda adolescente, ela está numa fase muito difícil. A adolescência por si só já seria difícil se estivéssemos no Brasil, imagine aqui depois dela perder tudo o que é mais valorizado por um adolescente, sua turma de amigos.

Como todo pai, vejo essa fase como desafiadora não só para o filho, mas também para nós. Nesse período que se estende por anos, vivemos constantemente entre a linha da rebeldia e sua capacidade de discordar e questionar tudo, e a da formação da personalidade. Nessa hora é comum ouvirmos coisas como "a vida é minha e eu faço dela o que eu quiser" para depois de cinco minutos ouvir "Duda, me dá dinheiro para eu ir ao shopping?". Por um lado os adolescentes já estão se firmando e "sabem" muito bem cuidar de suas vidas sozinhos, pelo outro, eles não vão a esquina sem precisar de você.

Ser pai é tentar ponderar ao máximo esse momento, pois ao mesmo tempo não podemos inibir essa vontade deles buscarem a sua independência, mas também não podemos negligenciar a direção para qual essa "independência" os está levando. Cada pai nessa hora adota a sua estratégia para assegurar que essa direção não seja apontada diretamente para "lado negro da força", eu, particularmente, tento seguir a linha da relação aberta e da reflexão. Faço isso por reconhecer que, infelizmente (ou felizmente), os pais são só um dos vários elementos que influencia o desenvolvimento dos filhos, e com essa abordagem eu espero que, caso eles resolvam adotar um conselho, que isso aconteça por escolha e não por ordem ou intimidação.

Apesar difícil, pois não há nada pior que ver seu filho sofrendo, essa fase está tendo seus pontos positivos. Assim como em todo momento de crise, é nessa hora de pararmos, avaliarmos nossa situação e refletimos sobre as oportunidades de image crescimento que crise proporciona. Se estivéssemos no Brasil, provavelmente não teríamos tido uma série de reflexões e conversas que tivemos até agora. Não tenho dúvidas que ao final todos terão ganhado muito com isso, e, enquanto isso não acontece, continuarei aqui aprendendo com meus filhos e curtindo este grande desafio de ser pai.

Como minha mãe dizia: “Ser mãe é padecer no paraíso...”

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Escola na Austrália

Matricular as crianças na escola foi muito simples, apenas apresentamos os passaportes, pagamos uma taxa, compramos os uniformes e o material escolar (os livros são subsidiados pelo governo), e no dia seguinte as crianças começaram a estudar. A escola do seu bairro é obrigada a aceitar a matrícula dos seus filhos.

No primeiro dia de aula notamos uma grande receptividade por parte dos alunos, principalmente os da idade da Ana Carolina, eles já são acostumados com alunos estrangeiros, pois a escola tem cerca de 90 alunos de outros países.

Conversamos rapidamente com os futuros professores e   IMG_8846  fomos embora! Já no primeiro dia deixamos os coitados na escola sem falarem uma palavra de inglês, foi de partir o coração, mas não tinha outro jeito, a própria professora recomendou que não ficássemos. E estão lá até hoje, no início o Caio reclamava que as crianças não queriam brincar com ele, me dava tanta pena, um dia pedi para o Eduardo passar por lá e conversar com a professora, aproveitando para dar uma olhada de como ele estava indo, e para minha tranqüilidade, ele estava bem, entrosado com os amigos.

De vez em quando ele reclama de alguma criança que bateu nele, semana passada, por exemplo, cheguei ao colégio e ele veio chorando até mim, dizendo que um garoto havia enforcado ele, sem motivo algum, sempre o mesmo pentelho!!! Minha vontade era de esgIMG_8845anar esse menino, mas me contentei em apenas reclamar com a professora, pois não é justo, ele não tem como se defender porque não fala inglês, e não mudamos para o outro lado do mundo para o Caio ficar apanhando na escola, não mesmo! Conversei sério com a professora e expus todos os meus sentimentos.

A Ana Carolina reclama até hoje que as meninas da sala dela são muito infantis, elas são bem menos maduras que as meninas do Brasil, isso é verdade! Mas para mim, isso é muito positivo! Aqui as garotas só saem de casa à noite após os 18 anos, não tem essa estória de ir para boate com 12 anos de idade como no Brasil. Um dia perguntei a uma amiga dela o que elas faziam no final de semana, e a resposta foi: igreja, supermercado com a mãe e treino de natação. É mole?

O sistema de IMG_8850ensino é muito diferente do sistema do Brasil, a criança é preparada para se tornar um cidadão e não passar no vestibular. Podemos notar que as matérias abordam mais temas do cotidiano. As aulas de matemática, por exemplo, traz mais assuntos voltados a aplicabilidade e permitem o uso de calculadora para alguns temas. Semana passada, por exemplo, a Ana Carolina perdeu boa parte da semana abordando o tema do desmatamento da floresta Amazônica, tendo que fazer no final um artigo e uma apresentação sobre o tema.

Algumas vezes por semana uma professora do programa  ESL - English as a Second Laguage                                                            http://education.qld.gov.au/marketing/eqi/programs/schools_list.html ensina inglês só para alunos estrangeiros. São aulas voltadas para o desenvolvimento do vocabulário e regras básicas, não vista no programa dos alunos regulares (uma vez que eles já conhecem a língua).

A escola é muito rigorosa com relação ao uniforme escolar, não é permitido o uso de brincos, anéis, unhas pintadas e cabelo solto, o chapéu é obrigatório, devido à exposição ao sol, aqui eles são muito preocupados com essa questão. Celular então, nem entra no colégio. Você pode até levar, mas você tem que deixar na Administração quando chega e só pode pegá-lo ao final da aula.

A escola é dividida em:

- JUNIOR SCHOOL (Prep to Year 5) – 5 aos 10 anos de idade

- MIDDLE SCHOOL (Years 6 to Year 9) – 11 aos 14 anos de idade

- SENIOR SCHOOL (Years 10, 11 and 12) – 15 aos 17 anos de idade

O período letivo é dividido em quatro termos e entre eles as férias escolares, ou seja, aqui temos quatro férias por ano, sendo: 10 dias entre março e abril, 15 dias entre junho e julho, 15 dias em setembro e um mês e meio entre dezembro e janeiro.

É uma forma interessante de dividir o problema de onde deixar as crianças nesse período por quatro. Aqui não temos empregada e nem família por perto, o jeito é recorrer às colônias de férias, que não são nada baratas, chegando a AUD 30.00 por dia. Até agora não precisei recorrer a elas, pois como não estou trabalhando posso ficar com eles nesse período de recesso.

Esse é o site da nossa escola: http://whiteshillsc.eq.edu.au/wcmss/

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Para Maria da Graça

Por: Paulo Mendes Campos

Agora que chegaste à idade avançada de 15 anos, Maria da Graça, eu te dou este livro: Alice no país das Maravilhas.

Este livro é doido, Maria. Isto é: o sentido dele está em ti.

Escuta: se não descobrires um sentido na loucura acabarás louca. Aprende, pois, logo de saída para a grande vida, a ler este livro como um simples manual do sentido evidente de todas as coisas, inclusive as loucas. Aprende isso a teu modo, pois te dou apenas umas poucas chaves entre milhares que abrem as portas da realidade.

A realidade, Maria, é louca.

Nem o Papa, ninguém no mundo, pode responder sem pestanejar à pergunta que Alice faz à gatinha: “Fala a verdade, Dinah, já comeste um morcego?”.

Não te espantes quando o mundo amanhecer irreconhecível. Para melhor ou pior, isso acontece muitas vezes por ano. “Quem sou eu no mundo?” Essa indagação perplexa é o lugar comum de cada história de gente. Quantas vezes mais decifrares essa charada, tão entranhada em ti mesma como os teus ossos, mais forte ficarás. Não importa qual seja a resposta; o importante é dar ou inventar uma resposta. Ainda que seja mentira.

A sozinhez (esquece essa palavra que inventei agora sem querer) é inevitável. Foi o que Alice falou no fundo do poço: “Estou tão cansada de estar aqui sozinha!” O importante é que ela conseguiu sair de lá, abrindo a porta. A porta do poço! Só as criaturas humanas (nem mesmo os grandes macacos e os cães amestrados) conseguem abrir uma porta bem fechada, e vice-versa, isto é, fechar uma porta bem aberta.

Somos todos bobos, Maria. Praticamos uma ação trivial, e temos a presunção petulante de esperar dela grandes conseqüências. Quando Alice comeu o bolo, e não cresceu de tamanho, ficou no maior dos espantos. Apesar de ser isso o que acontec e, geralmente, às pessoas que comem bolo.

Maria, há uma sabedoria social ou de bolso; nem toda sabedoria tem de ser grave.

A gente vive errando em relação ao próximo e o jeito é pedir desculpas sete vezes por dia: “Oh, I beg your pardon!” Pois viver é falar de corda em casa de enforcado. Por isso te digo, para a tua sabedoria de bolso: se gostas de gato, experimenta o ponto de vista do rato. Foi o que o rato perguntou à Alice: “Gostarias de gatos se fosses eu? “.

Os homens vivem apostando corrida, Maria. Nos escritórios, nos negócios, na política nacional e internacional, nos clubes, nos bares, nas artes, na literatura, até amigos, até irmãos, até marido e mulher, até namoradas, todos vivem apostando corrida. São competições tão confusas, tão cheias de truques, tão desnecessárias, tão fingindo que não é, tão ridículas muitas vezes, por caminhos tão escondidos que, quando os atletas chegam exaustos a um ponto, costumam perguntar: “A corrida terminou! Mas quem ganhou?” É bobice, Maria da Graça, disputar uma corrida se a gente não irá saber quem venceu. Se tiveres de ir a algum lugar, não te preocupe a vaidade fatigante de ser a primeira a chegar. Se chegares sempre aonde quiseres, ganhastes.

Disse o ratinho: “Minha história é longa e triste!” Ouvirás isso milhares de vezes. Como ouvirás a terrível variante: “Minha vida daria um romance”. Ora, como todas as vidas vividas até o fim são longas e tristes, e como todas as vidas dariam romances, pois o romance é só o jeito de contar uma vida, foge, polida mas energicamente, dos homens e das mulheres que suspiram e dizem: “Minha vida daria um romance!” Sobretudo dos homens. Uns chatos irremediáveis, Maria.

Os milagres sempre acontecem na vida de cada um e na vida de todos. Mas, ao contrário do que se pensa, os melhores e mais fundos milagres não acontecem de repente, mais devagar, muito devagar. Quero dizer seguinte: a palavra depressão cairá de moda mais cedo ou mais tarde. Como talvez seja mais tarde, prepara-te para a visita do monstro, e não te desesperes ao triste pensamento de Alice: “Devo estar diminuindo de novo”. Em algum lugar há cogumelos que nos fazem crescer novamente.

E escuta esta parábola perfeita: Alice tinha diminuído tanto de tamanho que tomou um camundongo por um hipopótamo. Isso acontece muito, Mariazinha. Mas não sejamos ingênuos, pois o contrário também acontece. E é um outro escritor inglês que nos fala mais ou menos assim: o camundongo que expulsamos ontem passou a ser hoje um terrível rinoceronte: É isso mesmo. A alma da gente é uma máquina complicada que produz durante a vida uma quantidade imensa de camundongos que parecem hipopótamos e de rinocerontes que parecem camundongos. O jeito é rir no caso da primeira confusão e ficar bem disposto para enfrentar o rinoceronte que entrou em nossos domínios disfarçado de camundongo. E como tomar o pequeno por grande e o grande por pequeno é sempre meio cômico, nunca devemos perder o bom humor.

Toda pessoa deve ter três caixas para guardar humor: uma caixa grande para humor mais ou menos barato que a gente gasta na rua com os outros; uma caixa média para humor que a gente precisa ter quando está sozinho, para perdoares a ti mesma, para rires de ti mesma; por fim, uma caixinha preciosa, muito escondida, para as grandes ocasiões. Chamo de grandes ocasiões os momentos perigosos em que estamos cheios de dor ou de vaidade, em que sofremos a tentação de achar que fracassamos ou triunfamos, em que nos sentimos umas drogas ou muito bacanas. Cuidado, Maria, com as grandes ocasiões.

Por fim, mais uma palavra de bolso: às vezes uma pessoa se abandona de tal forma ao sofrimento, com uma tal complacência, que tem medo de não poder sair de lá. A dor também tem o seu feitiço, e este se vira contra o enfeitiçado. Por isso Alice, depois de terchorado um lago, pensava: “Agora serei castigada, afogando-me em minhas próprias lágrimas”.

Conclusão: a própria dor deve ter a sua medida: É feio, é imodesto, é vão, é perigoso ultrapassar a fronteira de nossa dor, Maria da Graça.

sábado, 11 de outubro de 2008

Seis meses de Austrália

Sexta feira, cinco horas da tarde, estou no ponto de ônibus esperando meu transporte para casa, ouvindo Viva lá Vida do Coldplay e jogando Paciência no meu Iphone. Apóimages seis meses de Australia você cai na rotina e começa a esquecer os motivos que o trouxeram para o outro lado do mundo. Por um instante tudo aquilo que você veio buscar não é mais novidade, agora é realidade e é nesse momento que você percebe que está integrado ao novo sistema.

Pensem no cenário: Eu, Eduardo Bindi, às cinco horas de uma sexta feira, parado num ponto de ônibus, esperando condução para ir para casa, com um Iphone na mão em pleno centro da cidade. OK? Agora mude o tempo para seis meses atrás e o lugar para o centro de Fortaleza. Quais dessas condições seriam realidade? Nenhuma!


Primeiro porque eu não estaria voltando às cinco da tarde para casa, o trabalho no Brasil nunca terminava antes das seis, seis e imagemeia.  Segundo porque não estaria voltando de ônibus, coisa impraticável em qualquer cidade brasileira, seja pelo caos do transporte público, seja pela falta de segurança. E finalmente, eu poderia estar até com um Iphone, mas ele estaria guardadinho no meu bolso e no modo silencioso, evitando assim exposições desnecessárias para o caso de ligações.

Essa mudança esta sendo marcada por momentos e fases, num primeiro momento você fica dormente, pois está ao mesmo tempo maravilhado e confuso. Não sei se por conta da diferença de fuso horário, que lhe deixa zonzo nos primeiros dias, ou se pela diferença do lugar, mas os primeiros dias são marcantes. Você está num novo local, tudo é diferente, você repara todos os detalhes, o jeito que as pessoas se vestem, os prédios, as ruas, as comidas, carros, etc. A impressão que você tem é que suas pupilas ficam dilatadas durante todos os segundos do dia, como se seu cérebro estivesse comandando seus olhos a não perderem nenhum detalhe, e não deixar passar nada despercebido.

Após esse primeiro baque, que dura alguns dias, você entra em lua-de-mel, onde tudo passa a ser maravilhoso. Você já começa a se familiarizar com o lugar e ao invés de ficar vidrado como nos primeiros dias, você começa a relaxar e curtir as diferenças e novidades. Nessa hora você não vê problema em nada, tudo é fácil, você não vê a hora de estar adaptado com tudo montado e pronto para dar seqüência a sua vida. Talvez esse seja um dos motivos de se estar em lua-de-mel. Como você está empenhado demais com as novidades e com a estruturação da sua nova vida, não há muito tempo para pensar, só fazer. Seu dia-a-dia fica totalmente preenchido com passeios, entrevistas de emprego, vistoria de casas para alugar, visitas aos órgãos do governo, etc.

Quando tudo está estruturado, emprego arrumado, casa montada, carro comprado, crianças matriculadas no colégio,você entra na terceira fase. Agora você começa a vivenciar a rotina dessa nova vida. Só que você começa a comparar essa rotina com a do Brasil, que você gastou anos para estruturar. Quando eu falo estruturar rotina, falo não só nas atividades do dia-a-dia, mas também dos programas de finais de semana, círculo de amizades, família, esportes, etc. Agora, você já se acostumou a abrir o seu laptop no meio da cidade sem ficar preocupado, você já houve seu filho de seis anos falar que voltou sozinho do colégio e não dá bola para o ocorrido, você já não lê mais diariamente as notícias de corrupção do seu país. Então você começa a comparar uma vida na qual os benefícios você já se acostumou, com a falta da sua família e amigos, com a sua insignificância no emprego que você acabou de arrumar, e com as inseguranças que uma mudança desse tipo traz.

Mal vindo a fase quatro! Quem disse que mudar para o outro lado do mundo é fácil? De fácil não tem nada, pelo contrário! Quando a saudade bate, ela bate forte, e é ai que você se vê triste por uma semana, duas, um mês! E o pior de tudo é que você está triste e não sabe o porquê. Todos os dias você acorda angustiado e como não consegue ver problemas nem ninguém para colocar a culpa, o que seria a saída mais fácil, você começa então a expor e visualizar suas próprias vulnerabilidades, que nem sempre são fáceis de serem encaradas. Antes eu estivesse no Brasil, aí pelo menos eu poderia colocar a culpa no Lula.

O mais importante nessa hora é saber que essa fase passa. Pode até demorar, mas passa. Como todo momento, em que a emoção está falando mais alto que a razão, essa hora não é o momento de decidir nada, de planejar nada nem de avaliar sua decisão de emigrar para outro país. Nessa hora você só tem que procurar o que fazer, manter-se ocupado e dar tempo ao tempo. Quando você vê, as coisas começam a se encaixar melhor, seu tempo está preenchido e você começa a produzir mais.

Quando você percebe, você está parado num ponto de ônibus, às cinco da tarde de uma sexta-feira, brincando com seu Iphone e totalmente envolvido com sua nova realidade, com sua nova vida, e construindo sua nova história.

Será que isso representa a fase final do processo de adaptação?

Uma coisa é certa, ainda é muito cedo para dizer se essa história continua sem grandes emoções ou se ainda existirão outras fases até o processo de adaptação estar concluído.

Adaptação

Nesses quase quatro meses de Austrália que mais parecem quatro anos, posso afirmar que a adaptação não é fácil.

No início foi tudo novidade, arrumando a casa nova, comprando (o que sei fazer de melhor!), conhecendo lugares novos, depois veio a rotina de dona de casa e estudante de inglês, depois o vazio.

Comecei a me enclausurar numa bolha, tinha medo de dirigir, achava que meu inglês não era bom, engordei, não gostava de ser dona de casa, e a cada dia ficava mais dependente do Eduardo, isso me incomodava muito, pois costumava ter uma vida completamente diferente no Brasil.

Nessa hora, por incrível que pareça são as pessoas que estão distantes fisicamente, mas muito próximas mentalmente, que nos dão o maior apoio. São elas que nos mantêm com o pé no chão e nos incentivam a continuar na busca do nosso sonho. São mensagens como essas que nos fazem refletir sobre nossa real posição:

“Oi Duda

A Ana Paula escreveu esses dias pra Marie falando sobre as saudades que vocês estão sentindo daqui... Tenho algumas coisas a dizer para animar vocês!
O Lula está querendo criar mais uma estatal maior que a Petrobrás para explorar o petróleo do pré-sal. O ato heróico do delegado Protógenes Queiroz que prendeu no mesmo dia o Daniel Dantas, o Pitta e o Naji Nahas, no qual foi descoberto o extravio de 3 BI para paraísos fiscais, hoje é visto por todas autoridades brasileiras e imprensa como um ato desnecessário e inconstitucional. Acho que você está acompanhando as olimpíadas... que vergonha! Por causa do fuso horário, só acompanhamos os resultados através dos noticiários. É ridículo ver os apresentadores vendendo a audiência desse evento ao apresentar com entusiasmo o décimo segundo lugar da Jade ou nossa imensa lista de quatro ou cinco medalhas de bronze...
De repente me senti na obrigação de lembrar vocês como é difícil conviver com o dia a dia da nossa realidade. A degradação de nossa auto estima é inevitável. Ultimamente ando colocando em questão o sentido da vida. Afinal, criamos nosso mundo. Enxergamos a vida sobre uma ótica individual, que é o resultado do que mundo nos apresenta e o que acreditamos. Ultimamente está muito difícil tirar um saldo positivo disso.
Minhas forças, meu entusiasmo vem do amor às minhas filhas e minha família. Esse é o filtro que me possibilita enxergar a vida com um pouco mais de felicidade e cor. O engraçado, é que quando recebo informações sobre a saudade de vocês, enxergo as mesmas fontes de energia. Porém, o ambiente onde vocês vivem não está degradado. Não desestimula. Não corrói as esperanças. Não dá medo. É mais fácil obter um saldo positivo nesse contexto.
Todos sabemos que vocês foram para o outro lado do mundo para dar uma oportunidade melhor às crianças. Então, não se esqueça de olhá-los realizando pequenos atos de cidadania e educação que o primeiro mundo lhe oferece. Não deixe de valorizar isso. Ter uma casa decente, um carro velho que não quebra, um vizinho que te respeita, uma cidade limpa, organizada e com instituições que funcionam.
Veja que nos acostumamos muito rápido com esse tipo de contexto e, talvez, tudo isso deixe de ser importante rapidamente quando comparado a nossa ausência. Mas são esses pequenos detalhes que compõem o cenário de suas vidas. É através dele que as crianças desenvolverão valores que a educação familiar não ensina. Estamos falando de justiça social e comunitária. É através dela que enxergamos valor em bons atos e resultado de nosso trabalho. Afinal, trabalhamos para nos sustentar ou desenvolver socialmente?
Também sentimos muito a sua falta meu irmão. Mas não se esqueça. O amor é o estímulo de nossas vidas. Por isso, enquanto vivermos, amaremos. Considere a saudade um sentimento positivo e bom. Garanto que é muito melhor que as frustrações que estamos sentindo por aqui.”

Paulo Bindi
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“Oi, norinha querida...quanta saudade!
Está tudo“'indo”?
Eu estou doida pra chegar ....ando percebendo vocês meio desanimados...Não pode, não!
Quantas pessoas no mundo podem vivenciar essa experiência? Aprender inglês 'in loco', conhecer bastante um outro país, outra cultura, e, o melhor de tudo, poder voltar a hora que quiser.
Mas uma coisa lhe digo, com a maior sinceridade do mundo, inclusive contrariando meu coração, não queira voltar agora não. Espere um pouco pra ver se acaba a podridão neste país...
A cada dia nos enojamos mais, a cada dia novas avalanches de políticos corruptos, de bandidos soltos... até o presidente do Supremo Tribunal Federal, pode?
Ah! Uma novidade: vão cercar o Parque do Cocó com uma grade de 2 metros de altura, grade essa solicitada pela própria PM porque não estão dando conta dos assaltos lá dentro, pode?
E a nossa liberdade de ir e vir, de usufruir da nossa natureza...
O Paulo tem um cliente português que disse que lá na terrinha também a corrupção andava solta, mas que a coisa melhorou quando começou a chegar ao poder a nova geração, então parece que o Brasil tem jeito. É só esperar um pouco.
Acho que é a sensação de 'gringos' que incomoda, não é?
Curtam essa oportunidade, aproveitem a experiência que só fará engrandecer vocês para uma vida futura aqui ou aí. O tempo passa mais rápido que possamos imaginar...”

Mariangela Bindi

Cheguei a passar uma semana realmente difícil, acordei um dia e disse para mim mesma que a partir daquele dia tudo ia ser diferente, é como se a ficha tivesse caído naquele momento, acordei para vida, me lembrei de todos os motivos que me levaram à Austrália e tudo de maravilhoso que esse país tinha a me oferecer.

A partir desse momento comecei a dirigir para todo lugar (claro, com a ajuda do GPS), a conversar com todo mundo, (como um passe de mágica as pessoas começaram a me entender), a me expor o máximo possível, planejar todos os passeios, dieta, academia e me preparar para o primeiro emprego.

Hoje posso dizer que estou muito feliz. O preço é alto, mas vale a pena pagá-lo!

Para os que estão vindo, que venham com o coração e a mente abertos e com disposição para grandes mudanças.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

A Lua que não te dei

Como todos já puderam perceber, já há algum tempo não vinha postando novos textos. Hoje, ao receber o texto abaixo, notei o quão tola havia sido a minha decisão de ficar um tempo sem escrever. Não que eu tenha a capacidade de fazer isso, mas ter a possibilidade de tocar as pessoas como o Cecílio me tocou, já foi suficiente para me inspirar. Enquanto eu não trago nenhuma novidade, fiquem com a beleza de "A Lua que não te dei".

 

Por: Cecílio Elias Netto

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Compreendo pais - e me encanto com eles - que desejariam dar o mundo de presente aos filhos. E, no entanto, abomino os que, a cada fim de semana, dão tudo o que filhos lhes pedem nos shoppings onde exercitam arremedos de paternidade. E não há paradoxo nisso. Dar o mundo é sentir-se um pouco como Deus, que é essa a condição de um pai. Dar futilidades como barganha de amor é, penso eu, renunciar ao sagrado.

Volto a narrar, por me parecer apropriado à croniqueta, o que me aconteceu ao ser pai pela primeira vez. Lá se vão, pois, 45 anos. Deslumbrado de paixão, eu olhava a menina no berço, via-a sugando os seios da mãe, esperneando na banheira, dormindo como anjo de carne. E, então, eu me prometia, prometendo-lhe: 'Dar-lhe-ei o mundo, meu amor.' E não lho dei. E foi o que me salvou do egoísmo, da tola pretensão e da estupidez de confundir valores materiais com morais e espirituais.

Não dei o mundo à minha filha, mas ela quis a Lua. E não me esqueço de como ela pediu, a Lua, há anos já tão distantes. Eu a carregava nos braços, pequenina e apenas balbuciante, andando na calçada de nosso quarteirão, em tempos mais amenos, quando as pessoas conversavam às portas das casas. Com ela junto ao peito, sentia-me o mais feliz homem do mundo, andando, cantarolando cantigas de ninar em plena calçada. Pois é a plenitude da felicidade um homem jovem poder carregar um filho como se acariciando as próprias entranhas. Minha filha era eu e eu era ela. Um pai é, sim, um pequeno Deus, o criador. E seu filho, a criatura bem amada.

E foi, então, que conheci a impotência e os limites humanos. Pois a filhinha - a quem eu prometera o mundo - ergueu os bracinhos para o alto e começou a quase gritar, assanhada, deslumbrada: 'Dá, dá, dá...' Ela descobrira a Lua e a queria para si, como ursinho de pelúcia, uma luminosa bola de brincar. Diante da magia do céu enfeitado de estrelas e de luar, minha filha me pediu a Lua e eu não lha pude dar.

A certeza de meus limites permitiu, porém, criar um pacto entre pai e filhos: se eles quisessem o impossível, fossem em busca dele. Eu lhes dera a vida, asas de voar, diretrizes, crença no amor e, portanto, estímulo aos grandes sonhos. E o sonho da primogênita começou a acontecer, num simbolismo que, ainda hoje, me amolece o coração. Pois, ainda adolescente, lá se foi ela embora, querendo estudar no Exterior. Vi-a embarcar, a alma sangrando-me de saudade, a voz profética de Kalil Gibran em sussurros de consolo:

'Vossos filhos não são vossos filhos, mas são os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma. Eles vêm através de vós, mas não são de vós. E embora vivam convosco, não vos pertencem. (...) Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.'

Foi o que vivi, quando o avião decolou, com minha criança a bordo. No céu, havia uma Lua enorme, imensa. A certeza da separação foi dilacerante. Minha filha fôra buscar a Lua que eu não lhe dera.

E eu precisava conviver com a coerência do que transmitira aos filhos: 'O lar não é o lugar de se ficar, mas para onde voltar.'

Que os filhos sejam preparados para irem-se, com a certeza de ter para onde voltar quando o cansaço, a derrota ou o desânimo inevitáveis lhes machucarem a alma. Ao ver o avião, como num filme de Spielberg, sombrear a Lua, levando-me a filha querida, o salgado das lágrimas se transformou em doçura de conforto com Kalil Gibran: como pai, não dando o mundo nem Lua aos filhos, me senti arqueiro e arco, arremessando a flecha viva em direção ao mistério.

Ora, mesmo sendo avós, temos, sim e ainda, filhos a criar, pois família é uma tribo em construção permanente. Pais envelhecem, filhos crescem, dão-nos netos e isso é a construção, o centro do mundo onde a obra da criação se renova sem nunca completar-se. De guerreiros que foram, pais se tornam pajés. E mães, curandeiras de alma e de corpo. É quando a tribo se fortalece com conselheiros, sábios que conhecem os mistérios da grande arquitetura familiar, com régua, esquadro, compasso e fio de prumo. E com palmatória moral para ensinar o óbvio: se o dever premia, o erro cobra.

Escrevo, pois, de angústias, acho que angústias de pajé, de índio velho. A nossa construção está ruindo, pois feita em areia movediça. É minúsculo o mundo que pais querem dar aos filhos: o dos shoppings. E não há mais crianças e adolescentes desejando a Lua como brinquedo ou como conquista. Sem sonhos, os tetos são baixos e o infinito pode ser comprado em lojas. Sem sonhos, não há necessidade de arqueiros arremessando flechas vivas.

Na construção familiar, temos erguido paredes. Mas, dentro delas, haverá gente de verdade?

Cecílio Elias Netto é escritor e jornalista.

E-mail: celiato@terra.com.br